As 12 palavras ditas e retornadas
Disse-lhe o diabo: "Daqui a vinte anos virei buscar-te. Se não souberes, serás meu para toda a eternidade"
Reproduzimos a seguir um conto cristão medieval, que era transmitido como ajuda para que se aprendessem e memorizassem algumas passagens da Bíblia e da vida de Jesus e dos santos, além de uma reflexão sobre o papel do Anjo da Guarda em nossa proteção contra os ardis do demônio.
Era uma vez um homem muito trabalhador e honrado, mas infeliz em todo negócio em que se metia. Tinha ele devoção ao Anjo da Guarda, rezando todos os dias em sua intenção. Cada vez mais pobre, o homem perdeu a paciência e um dia gritou, desesperado com sua triste sina:
— Acuda-me o diabo, que o Anjo da Guarda não me quer ajudar!
Apareceu então um sujeito alto, todo vestido de preto, barbudo e feio, com uma voz roufenha e desagradável:
— Aqui estou! Aqui estou! Que é que queres de mim?
— Quero ficar rico.
O diabo indicou uma gruta onde havia um tesouro enterrado e disse:
— Daqui a vinte anos, voltarei para buscar-te. Se não disseres as doze palavras ditas e retornadas, serás meu para toda a eternidade.
O homem começou a viver folgadamente, em festas e alegrias, cercado de amigos e de mulheres.
O tempo foi passando e, uma noite, ele se lembrou de que estaria condenado às penas do inferno se não soubesse as doze palavras ditas e retornadas.
— Isso deve ser fácil — disse ele consigo. — Todo mundo deve saber.
No dia seguinte, perguntou aos amigos, aos vizinhos e a todos os moradores da cidade. E não havia quem soubesse o que vinha a ser o que lhes perguntava.
O homem afligiu-se muito. Cada vez mais o tempo passava e ninguém sabia quais eram as doze palavras ditas e retornadas. Largou ele a vida má que levava, fez penitência e saiu pelo mundo, perguntando. O homem só faltava morrer, com o pavor de ter de encontrar-se com o diabo e ser carregado para o fogo eterno.
Já correra muito tempo desde que deixara o folguedo dos ricos, vestindo-se com modéstia e dando esmolas. Uma tarde, ia por um bosque na hora da ave-maria. Ajoelhou-se para rezar e, ao terminar, viu um velho que se aproximava dele. Cumprimentou-o e foram andando juntos para a vila. Perguntou ao velho como ele se chamava.
— Chamo-me Custódio — respondeu.
Para não deixar de perguntar, falou nas doze palavras ditas e retornadas. E o velho Custódio lhe disse:
— Eu sei as doze palavras ditas e retornadas.
O homem ficou tão satisfeito que abraçou o velho, dando graças a Deus e dizendo que aquilo era um milagre do Anjo da Guarda, sua devoção antiga.
— Como são as doze palavras ditas e retornadas? Qual é a primeira, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! A primeira palavra dita e retornada é a Santa Casa de Belém, onde nasceu Nosso Senhor Jesus Cristo, para nos remir e salvar.
— E as duas palavras ditas e retornadas, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As duas palavras ditas e retornadas são as duas tábuas de Moisés, em que Nosso Senhor pôs seus divinos pés, e a primeira é a Santa Casa de Belém.
— E as três palavras ditas e retornadas, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo não! As três palavras ditas e retornadas são as três pessoas da Santíssima Trindade, as duas são as duas tábuas de Moisés e a primeira é a Santa Casa de Belém.
— E as quatro palavras ditas e retornadas, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As quatro palavras ditas e retornadas são os quatro evangelistas, as três são as pessoas da Santíssima Trindade, as duas são as tábuas de Moisés e a primeira é a Santa Casa de Belém.
— E as cinco palavras, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As cinco palavras ditas e retornadas são as cinco chagas de Nosso Senhor.
— E as seis palavras, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As seis palavras ditas e retornadas são as seis velas bentas que estão no altar-mor de Jerusalém.
— E as sete palavras, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As sete palavras ditas e retornadas são os Sete Sacramentos.
— E as oito palavras, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As oito palavras ditas e retornadas são as oito bem-aventuranças pregadas por Nosso Senhor Jesus Cristo.
— E as nove palavras, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As nove palavras são os nove meses em que a Virgem Mãe trouxe em seu ventre Nosso Senhor.
— E as dez, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As dez palavras ditas e retornadas são os Mandamentos da Lei de Deus.
— E as onze palavras, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As onze palavras são as onze mil virgens.
— E as doze, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As doze palavras ditas e retornadas são os doze apóstolos, as onze são as onze mil virgens, as dez os Mandamentos, as nove os meses de Nossa Senhora, as oito as bem-aventuranças, as sete os Sacramentos, as seis as velas bentas, as cinco as chagas, as quatro os evangelistas, as três a Santíssima Trindade, as duas as tábuas de Moisés, a primeira a Santa Casa de Belém, onde nasceu quem nos salvou. Amém! Estas são as doze palavras ditas e retornadas.
— De joelhos te agradeço, amigo Custódio, por essa esmola que há de salvar-me do demônio!
— Custódio, sim, e teu amigo. Sou o Anjo da Guarda que vem perdoar-te pelo arrependimento e pela penitência.
E sumiu-se. O homem, quando chegou o prazo para prestar contas ao diabo, disse as doze palavras ditas e retornadas e o maldito rebentou como uma bola de fogo, espalhando cheiro de enxofre.
O homem viveu santamente seus dias e acabou na paz de Deus, salvando-se graças ao seu Anjo da Guarda.
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Fonte: “Maravilhas do conto popular” – Cultrix, São Paulo, 1960
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