A ponte do diabo em Montoulieu
Perto da formidável fortaleza de Foix, na região de Languedoc, França, não longe da fronteira com a Espanha há uma ponte.
É a ponte de Montoulieu que existe até hoje.
Há turistas que chegam perto, mas não sabem o que fazem!
É melhor ir bem confessado!!! exclamam os que conhecem. Pois dela se conta a seguinte história:
Numa manhã, Raymond Roger, conde de Foix, acordou de péssimo humor. Passara mal na noite por culpa do javali que jantou na noite anterior.
Desse jeito, fez selar seu cavalo favorito e partiu ao galopo rumo às montanhas.
Ele atravessou logo o burgo de Foix e entrou pelo caminho que corre ao longo do rio Ariège. Ele ia pelo lado esquerdo cavalgando no sentido contrário da correnteza.
Assim ele passou por Ferrières e Prayols. Mas, logo depois lhe deu na fantasia de mudar de lado. Ele mandou o cavalo cruzar o córrego. Porém, naquele lugar o rio Ariège corre entre paredes de pedra enormes e a água é profunda.
O cavalo não quis passar. O conde ficou furioso, deu meia-volta e voltou para o castelo.
A Ponte do Diabo, Montoulieu |
Imediatamente, ele mandou vir o barão de Saint-Paul, e lhe disse encolerizado:
‒ “Sr. barão, esse desvio na tua região me põe em cólera...”
‒ “Mas, meu senhor, sempre foi assim desde que existe esse rio!”
‒ “Chega! Eu te ordeno construir uma ponte no local. E logo!!!”
‒ “Bom… sim,... vou tentar…” sussurrou o barão consternado diante da perspectiva de uma tarefa quase impossível.
‒ “Se num mês eu não vejo a ponte, tua vida vai pender de um fio!”
E o conde se retirou deixando o pobre barão completamente desolado.
Acontecia que o barão era um poeta que não se preocupava pelo dia de amanhã e gastava logo os escudos que ganhava. Por isso, ele não tinha um tostão sequer para começar os trabalhos.
Então, ele que cantava sempre, ficou todo triste. Os dias passavam e não aparecia nenhuma solução. Ele foi até os bordes do Ariège e muito desanimado se lamentou:
Gargouille de Notre Dame de Paris. |
‒ “Ah! Eu faria um pacto até com o diabo para sair desta enrascada!”
Fora o diabo malandro que soprara essa ideia no miolo mole do barão poeta.
‒ “¨Ca estou eu ...” disse uma voz por trás do barão.
O diabo cheirando a enxofre apareceu e lhe estendeu a mão dizendo:
‒ “Tua ponte estará pronta no dia combinado!...”
‒ “É verdade? Não posso acreditar... bem, muito obrigado... quer dizer... bom, sim, sim, obrigado...”, gaguejou o tolo.
‒ “Sim, sim...”, disse o diabo. “Mas o que é que você vai me dar em troca?”
‒ “Quer dizer... bem...” gaguejou o barão compreendendo tarde demais que tinha posto os pés pelas mãos.
‒ “Você não tem dinheiro... eu sei...”, continuou o diabo sabido. “Olha aqui!”
O espírito da mentira pegou uma pedra e jogou para ele. Na hora de apanhá-la, o barão viu que tinha se transformado em moedas de ouro!
‒ “Mas... eu... quer dizer... não sei...”
Igreja da abadia de São Volusien, onde o barão foi salvo |
‒ “O que eu quero... ‒ e nessa hora o olhar do demônio faiscava como fogo do inferno ‒ é que você me entregue a alma do primeiro que passe pela ponte!”
O barão fechou os olhos e disse:
‒ “Tá bom! Eu te juro pela minha honra que a alma do primeiro que passar pela ponte será tua!”
E cada um partiu para seu lado. Mas, a partir daquela data, o barão estava cada vez mais triste. Ele tinha feito um pacto com o diabo!
Cheio de remorsos, ele foi para o lugar onde vão todos os que tem necessidade de um reconforto.
Ele foi para a igreja do mosteiro de São Volusien.
Envergonhado por seu pecado, ele se escondeu detrás da primeira coluna à direita, e se prosternou no chão chorando.
O irmão sacristão percebeu esse homem imenso por terra e foi chamar o reverendíssimo abade:
‒ “Meu pai, disse ele, há um ladrão na igreja!...”
‒ “Um ladrão? Como assim? Vamos ver...”
O abade foi pé ante pé até o homem deitado por terra, escutou e ouviu os prantos.
‒ “Mas não é um ladrão! É um homem que sofre!”, sussurrou para o irmão.
Diabo. Hans Memling (1430/1440 — 1494) |
E, avançando, tocou no ombro do barão, dizendo:
‒ “Meu amigo, venha...”
E ele levou-o à sacristia onde reconheceu ao barão de Saint-Paul. Este então lhe contou o caso, sua dor e confessou seu pecado.
Quando a confissão acabou, o reverendo padre disse estas palavras na orelha do barão sonhador e atrapalhado:
‒ “Amanhã, vos será necessário... então vós fareis... então... a solução!”
Ninguém ficou sabendo o que saiu nesse momento. Mas o abade passou a noite rezando muitas “missas baixas” pelo barão.
O barão, por sua parte, voltou para sua casa, cantando como um passarinho de alegria.
Entrementes, durante aquela noite toda, ouviu-se no vale o eco de uma barulheira infernal. Era um canteiro de obras pavoroso!!!
Os aldeões de Montoulieu não puderam dormir.
E no raiar da aurora apareceu bem construída uma ponte sobre o perigoso córrego.
Belzebu instalou-se sobre o murinho da ponte, aguardando o primeiro passante para levá-lo ao inferno.
E quando desabrochavam os primeiros alvores matinais, envolto numa capa preta, apareceu o barão de Saint-Paul.
O diabo zombou dele:
‒ “Ah, sim, você vai ser o primeiro!...”
‒ “Não, não”, respondeu o barão. “O primeiro, aquele que é para você... olha está aqui!”
E abrindo uma sacola ocultada sob a capa puxou um enorme gato negro que tinha uma panela amarrada na cauda.
E o gato saiu disparado. Usando todas suas patas atravessou a ponte.
Castelo de Foix residência do mal-humorado conde, perto de Montoulieu |
O diabo soltava vapores pelas orelhas e partiu para pegar o barão, quando na encosta de um morro apareceu a procissão dos monges de São Volusien.
Eles vinham cantando a Ladainha de Todos os Santos, com a Cruz na frente e o Padre Abade levando o hissope e aspergindo a ponte com água benta.
O diabo afundou na terra!!! Vitória!!!
Durante muitos e longos anos poucas pessoas ousaram atravessar a ponte durante a noite.
Entretanto, há mais de dez séculos que não se ouve falar de sinais de Lúcifer na ponte de Montoulieu.
Se você for passear por ali e você o encontrar, fique sabendo que foi você que o atraiu lá!”
(Fonte: “La legendo del pount del diable”, tirada do livro “La Mandrette- Mémoire d’Ariège”, Ed. Lacour/Rediviva).
Comentários
Postar um comentário